Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Loose Lips

Devaneios sobre tudo e sobre nada.

Loose Lips

Devaneios sobre tudo e sobre nada.

28.Fev.19

Por muito boa que seja uma proposta de emprego, vale a pena quando o processo de recrutamento é desgastante?

Sei que tenho andado ausente, mas os últimos tempos têm sido uma verdadeira roda-viva de coisas e emoções, o que faz com que o tempo para escrever escasse e a vontade também, admito.

Ainda assim e como vos tinha dito aqui, estou em processo de procura de um novo desafio profissional e tem sido uma verdadeira odisseia. Estou num processo de recrutamento desde o final do ano passado e depois daquela primeira entrevista horrorosa e de ter sido chamada a uma segunda fase, com dinâmicas de grupo, pitchs individuais e tudo o mais a que se tem direito nestas situações, fui convidada a almoçar na empresa, porque acharam que o meu perfil fazia mais sentido para uma outra posição, diferente e, em boa verdade, bem mais aliciante do que aquela a que me tinha candidatado.

Ora então e o que está em causa, perguntam vocês? Essencialmente é um programa internacional, com a duração de dois anos, em que a pessoa tem a oportunidade de passar por várias áreas de negócio da empresa, sempre na vertente RH, espalhadas por esse mundo fora, 6 meses em cada localização. Isto significa que aqui a pessoa pode andar a saltitar por esse mundo fora, durante dois anos, enquanto aprende mais sobre RH. Incrível, não é? Foi o que achei. Fiquei verdadeiramente entusiasmada quando me falaram sobre isto, ainda sem grandes detalhes ou propostas concretas.

Passado quase um mês de me terem aliciado para este programa, ligaram-me para uma entrevista e então lá fui eu à empresa. Reuní com os diretores de RH que, surpreendentemente, são só homens. Foi uma conversa peculiar, mas agradável. Consegui transmitir-lhes aquilo que estou à procura e aquilo que acho que consigo trazer de novo a uma equipa, falamos um bocadinho sobre mim, sobre o que faço e leio, sobre o que quero fazer no longo prazo e mil e uma coisas. Senti alguns preconceitos, sobretudo relativos ao sítio de onde sou, ao qual chamaram "uma espécie de microclima", no sentido em que consideram que, de alguma forma, é elite (o que, aos meus olhos não podia estar mais longe da verdade, mas cada um com a sua opinião). O feedback final foi positivo, ainda que tenham sido apontadas algumas áreas a melhorar e fui informada que entrariam em contacto posteriormente para reunir com o diretor geral, no sentido de ser validada para prosseguir para a última fase com a central.

Na semana seguinte ligaram-me para me apresentar lá no dia seguinte, para a reunião com o diretor geral. Um bocadinho em cima do joelho, mas tudo bem. Sendo uma pessoa muito ocupada compreendi que, certamente, teria surgido uma vaga na agenda e então lá fui eu. Já tinha sido prevenida, pela equipa de RH, que o diretor tinha uma maneira muito peculiar de fazer entrevistas, que conseguia ser bastante intimidador, porque gostava de interpretar as reações das pessoas e mimimi. Achei que era só uma estratégia para eu estar de sobreaviso e ter algum cuidado na abordagem, mas não.

Na verdade tudo o que me foi dito foi um understatement. Tudo o que eu disse foi duplamente questionado, foram várias as vezes em que o senhor levou as mãos à cabeça enquanto eu falava, foram várias as vezes em que me provocou, foram várias as vezes em que entrou no domínio pessoal e fez juízos de valor completamente infundados, foram várias as vezes em que questionou o meu valor e o valor dos colegas, por terem visto em mim algum potencial. Eu mantive-me, com muita dificuldade, ao longo de toda a entrevista. Depois de uma hora excruciante, terminou a entrevista dizendo o seguinte:

"Não tenho dúvidas de que é muito boa no seu trabalho e que vai ter sucesso, porque vai, mas não vejo o que pode acrescentar à equipa, porque é vazia enquanto pessoa e o seu discurso não é coerente. Com muita pena minha não estive presente na primeira fase, porque se tivesse estado não estaríamos a ter esta conversa hoje. E olhe que eu costumo ser mauzinho nas entrevistas, mas esta até foi muito soft, porque não tem mesmo ponta por onde se lhe pegue".

E saiu. Não se despediu, não olhou para mim. Nada. Saiu da sala e pediu para chamarem o responsável de RH para me acompanhar. Eu foquei-me só num pontinho do teto para não me desmachar. Quando o colega chegou, bastou olhar para mim para perceber que alguma coisa não estava bem, e perguntou-me o que se tinha passado (já vos tinha dito que sou muito transparente, não já?). Educadamente lá lhe disse que não tinha corrido bem e que eu não era aquilo que o diretor estaria à espera, pelo que seria de rever a minha escolha para a posição. Ficaram de me ligar nos dias seguintes.

Não vos consigo explicar, mas foi como se o meu corpo tivesse tido uma descarga. Senti-me nauseada e fisicamente mal, sem forças para nada. Aquilo tinha sido um duelo e eu tinha ficado mesmo exausta. Saí de lá a pensar que pronto, tinha acabado por ali, mas que ainda bem, porque não queria trabalhar com aquele tipo de pessoas.

Contrariamente a todas as expectativas, ligaram-me a dizer que o diretor tinha gostado da minha postura ao longo de toda a entrevista, ainda que de facto a componente pessoal o tivesse desiludido, mas que estava validada para a última fase do processo. Não consegui responder sequer. Agradeci e disse que esperava então um novo contacto.

O projeto é, sem dúvida, muito aliciante, porque é. Mas todo o processo tem sido verdadeiramente desgastante. O meu valor enquanto pessoa foi posto em causa e isso mexeu comigo. A proposta é muito boa, mesmo que ainda não se tenham discutido valores, mas estou a ponderar, seriamente, em não aceitar. É uma empresa de renome, um grupo internacional, mas este tratamento claramente não faz transparecer boas políticas de RH, não me faz ansiar por trabalhar com estas pessoas. É uma forma de recrutar completamente desajustada da realidade de hoje, porque na verdade as empresas também têm de se vender, também têm de saber tratar bem os candidatos, não são só os candidatos que têm de se promover.

E vocês? O que acham disto? Um projeto aliciante vale tudo?